quinta-feira, 8 de março de 2012

voar

Na minha infância sonhei que voava. O vento batia forte no meu rosto, pássaros passavam por mim, mas eu não sorria. Eu chorava muito, com medo de cair e me machucar. Eu acordava na beira da cama, assustado e chorando. Meu pai olhava para mim, me abraçava, então eu estava a salvo.
Esta noite irei voar e ironicamente sorrio como uma criança. Não tenho mais quem me abrace e me diga que tudo foi só um sonho ruim. Meus pais se foram… para aquele céu. Hoje vou voar com eles.
Não tenho medo, já fiz coisas piores e mais dificeis. Preciso apenas de mais um passo…
Algo além da vertigem, algo mais faz meu corpo tremer. O toque firme de uma mão nos meus braços, me amparando, como antigamente. A felicidade do momento se torna em uma amarga frustração quando o policial me tira da beira da ponte e me põe algemas. Mesmo com a violência que fui tratado, as palavras duras, mesmo toda essa autoriadade, talvez tudo isso torne esse guarda agradável para mim, e incrivelmente familiar. Na cintura o guarda tinha uma pistola igual a do meu pai. Sabe, ele nunca me deixou brincar com ela.
Pela janela da viatura pude ver as luzes de natal da cidade. Na velocidade que estavamos elas viravam borrões engraçados. Eu adorava essas luzes. Amava o natal. Porque depois de cinco anos continuo pensando tanto nos meus pais?
O carro parou em um lugar escuro e sujo, todo branco, bagunçado, cheio de ferrugem. Era um hospital, mas parecia ter sido abandonado a muito (muito!) tempo. Estou doente?
Não vejo mais o guarda que lembrava meu pai, apenas um homem forte que me espetou. Foi engraçado, porque depois disso o homem começou a girar. O hospital também estava girando e então alguém apagou todas as luzes do mundo.
Onde eu estou é sujo, as pessoas são feias e gritam muito. Já não me assuto com as manchas de sangue nas paredes.
Mentira.
Tem uma mancha grande que fica perto da minha cama. Ela assusta muito. Me lembra algo. Algo que não quero lembrar e por isso tenho medo dela.
Parece um revólver, como o que fez meu pai ir para o céu. Ou a pistola do guarda. Isso lembra meu quarto. Lembra o medo de puxar o gatilho. Minha vontade de voar, para não voltar nunca mais.
Esta noite eu irei voar.

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