O
que tenho a dizer talvez não seja de fácil compreensão ou aceitação,
para um ouvinte comum. Muitos, certamente, acreditarão que o que irei
relatar não passa de uma fantástica alucinação de um maluco, aprisionado
em uma ala psiquiátrica. Outros dirão que minha narrativa não passa de
uma história criada para assustar crianças desobedientes. Muitos poucos,
realmente, acreditarão no que relatarei.
Meu
nome é Jeremias Carneiro e, desde minha infância tenho sido um
sonhador, adjetivo utilizado por meus pais para, em muitas ocasiões,
justificar ou disfarçar as habilidades que possuo desde tenra idade e
que, só recentemente, vim, a saber, tratar-se do que chamam de
mediunidade.
Foi
somente quando completei meus quinze anos, em plena adolescência, que
compreendi, pelo menos parcialmente, o que significava possuir tal
poder, que alguns chamam de Dom, e que para mim não passa de uma
Maldição.
Você
gostaria de saber por que o considero uma Maldição? Pois bem, revelarei
o que está ao alcance da minha compreensão e que, acredito, ser
possível relatar, pois, penso eu, que algumas coisas devam se conservar
ocultas.
Minha
aventura começou numa de minhas férias escolares, quando fui deixado
aos cuidados de um dos meus tios, único irmão de meu pai, que morava
numa pequena fazenda, na periferia do município de Germinade.
Não
sabe onde fica Germinade? Bem, na verdade você não é o único. Germinade
é um pequeno município localizado a pouco mais de 200 quilômetros de
Belo Horizonte, Capital do Estado de Minas Gerais. Se você procurar nos
jornais da região, verá que o local, onde se localiza a cidade, é
conhecida pelos estranhos fenômenos que por lá acontecem, até hoje.
Como
sei disso trancado aqui? É muito simples, meu amigo! Acompanho os
acontecimentos através dos exemplares do “Gazeta de Germinade”, que
recebo regularmente! Como consigo? Utilizando um pouco da minha grande
capacidade de encenação, é claro! Convenci o psiquiatra responsável de
que sou um caso muito especial, que poderá revolucionar a psiquiatria e,
consequentemente, trazer-lhe fama e dinheiro. Como? Bem, isto é uma
longa história que deixaremos para outro dia. Apenas é necessário saber
que, utilizando-me te tal estratagema, convenci-o de que a leitura de
tal periódico tem grande influência sobre meu comportamento. Uma
inverdade, é claro, mas que o querido doutor não precisa saber.
Mas
voltemos a nossa história. Como disse, encontrava-me de férias na
fazenda de meu tio e, como era inevitável, acabei tomando conhecimento,
durante minhas incursões à cidade, dos estranhos fenômenos que
aconteciam na região, em especial, à leste, durante a noite.
À
Leste de Germinade, as montanhas se tornavam abruptas, com vales e
densas florestas, pouco exploradas pelos habitantes da região. Lá se
podem encontrar inúmeras ravinas e trilhas estreitas, onde as árvores
crescem sobre encostas rochosas e de inclinações surpreendentes. Na
periferia de tal floresta, encontram-se encostas mais suaves e terrenos
bem mais planos. E é num desses terrenos que se assentam fazendas
antigas e com construções feitas em madeira ou pedras nativas.
Uma
dessas fazendas é a que pertence ao meu tio e onde estava passando
minhas férias, razão que explica minha incredulidade nas histórias que
ouvia, pois, estando ali, nada vira que pudesse chamar de estranho.
Contudo,
numa tarde de sol escaldante, finalmente me deparei com algo que pude
classificar, no mínimo, como inacreditável. Era época das frutas e das
colheitas. As pêras e laranjas amadureciam lentamente e os pomares
produziam como nunca antes. Os frutos alcançaram formas e tamanhos
exuberantes e nasciam em tamanha abundância que meu tio, contentíssimo
com a sua produção agrícola, precisou encomendar barris extras para
acomodar toda a safra. Depois de vários anos de penúria e colheitas
ruins, iria, finalmente, pagar todas as dívidas e ainda sobraria um
dinheirinho para guardar. Neste dia, meu tio e seus dois filhos, meus
primos, juntamente comigo, estavam colhendo laranjas, quando, de
repente, o céu começou a ficar carregado de nuvens negras, que se moviam
de forma estranha.
O que quero dizer com “estranha”?
Todos
nós já, algum dia de nossas vidas, deitamo-nos ao ar livre e ficamos
admirando as nuvens do céu, não é verdade? Pois bem, em todas essas
vezes sempre víamos elas se moverem lentamente, todas em conjunto, na
mesma direção. Naquele dia, na fazenda de meu tio, as nuvens moviam-se
de forma aleatória e independente, como se tivesse vontade própria. O
céu foi escurecendo e pode-se ouvir o som de trovões ao longe,
anunciando uma tempestade. Sem explicação, meu tio, como meus primos,
pareceu apavorado e, aos gritos, correram em direção a casa, pedindo
para que eu os acompanhasse. Meio atordoado com a surpreendente e
estranha reação de meus familiares, não resisti e os acompanhei.
Rapidamente chegamos aos fundos da casa onde Tio José puxou, com a ajuda
de meus primos, uma grande lona que revelou, escondido por baixo, um
alçapão, o qual dava acesso a uma espécie de porão por sob a casa.
Tio
José abriu, apressadamente, o alçapão pedindo que entrássemos o mais
rápido possível. O pavor estampado em seu rosto era quase que palpável
e, quando meus primos começaram a descer os degraus de madeira, dei uma
última olhada ao redor. Minha visão pousou sobre a floresta onde
vislumbrei uma estranha névoa, que se embrenhava por entre a vegetação e
as montanhas, como uma serpente rastejante, rumando em nossa direção. O
céu já havia assumido uma cor enegrecida e relâmpagos avermelhados, tal
como sangue, começaram a cortar o firmamento. Era uma cena, ao mesmo
tempo, maravilhosa e aterradora.
Fui
tirado de minha letargia por um forte puxão de tio José que me fez
descer até o porão, juntamente com ele, e fechou as portas. No interior
do recinto, pude ver com maior detalhe, os robustos ferrolhos,
dobradiças e travas metálicas que foram acionadas, fechando a entrada,
como se fosse impedir o ingresso de uma manada de elefantes
descontrolados. A única lâmpada, pendurada pela própria fiação, no meio
do teto, começou, estranhamente, a falhar e, ainda meio perdido na
situação, vi meus primos apanharem duas lamparinas a querosene e
acenderem, no exato momento em que a luz se apagou.
Os
sons estranhos que se seguiram eram irreconhecíveis. Por mais que
tentasse, não conseguia relacioná-los com nada que conhecia. Alguns sons
eram facilmente identificáveis, sendo o mais nítido, o barulho do vento
forte açoitando a casa sobre nós. Podíamos ouvir as janelas batendo
fortemente, vidros sendo quebrados e os trovões ensurdecedores
demonstrando todo o seu poder sonoro.
Subitamente,
a tempestade chegou, e com ela o silêncio. Apenas o barulho forte da
água que descia do céu. Tentei dizer algo, mas fui silenciado com um
gesto ríspido de meu tio que sussurrou, num tom suficiente para que
apenas eu e meus primos o ouvíssemos. “Eles chegaram!”, foi a frase.
Não
sei por quanto tempo perdurou aquele silêncio opressivo, mas posso te
dizer que o sentimento de pavor reinante ali me deixara apreensivo e
curioso. Não entendia o porquê de tudo aquilo e confesso que cheguei a
pensar que meu tio, juntamente com meus primos, havia enlouquecido, mas o
que se seguiu fez-me repensar a situação.
O
som de uma das portas da casa se abrindo foi ouvido, apesar do barulho
da tempestade. Não me foi difícil saber qual das portas, pois o ranger
que fora produzido permitiu a todos identificar como sendo a da entrada
da cozinha.
Apreensivos
e em silêncio, acompanhamos o som de passos, no pavimento acima. Não
eram passos comuns. Eram fortes e produziam um som metálico. Seja o que
for, era pesado o suficiente para fazer o piso de madeira ranger diante
de sua passagem.
De
repente ouvimos sons que pareciam sibilos iguais aos dos lagartos e
cobras, facilmente encontrados na região, só que num tom bem mais alto.
Outros passos surgiram, confirmando que havia mais de um, seja lá o que
fosse.
Com
o passar do tempo, a terrível conclusão que vinha, gradativamente, se
instalando em minha mente confusa e relutante era fantástica demais para
que fosse levada em consideração, mas era a que se solidificava. A
impressão que tinha era a de que nunca mais iria contemplar a luz
abençoada do dia e nem correria os olhos pelos montes e vales aprazíveis
do mundo exterior. Como que por mágica, a esperança parecia ter partido
sem que eu conseguisse entender o porquê.
Permanecemos
em silêncio e movemo-nos o mínimo possível, por muito tempo. Não sei
precisar o quanto, mas seja o quanto for, posso-lhe afirmar que
pareceu-me uma eternidade.
Entretanto,
doutrinado pela força de minha juventude e racionalidade, não deixei de
sentir uma grande satisfação de minha conduta desapaixonada, pois,
apesar do clima tenso e apavorante, que certamente provocaria um colapso
emocional em muitas pessoas, isso não me aconteceu. Lembro de examinar
aquele singular aposento e sentir crescer a aversão que a visão da
paisagem externa me causara, pouco antes de nos abrigarmos ali. Não
saberia dizer-lhe, ao certo, o que temia ou me repugnava, mas alguma
coisa em toda a atmosfera lembrava-me coisas hediondas. Comecei a
vaguear, examinando tudo a minha volta, mas procurando manter o silêncio
exigido por meu tio.
Aquela
situação perdurou por tanto tempo que, vencidos pelo cansaço, acabamos
por adormecer. Quando despertamos, já não mais se ouvia os estranhos
sons de outrora. A tempestade havia parado e, como por encanto, o clima
pesado e nefasto se dissipara.
Após
um certo tempo escutando, com o ouvido colado à porta do alçapão, tio
José pareceu dar-se por satisfeito e, dizendo “Eles se foram!”, abriu as
trancas, deixando a passagem para o exterior, livre.
Ao
subir as escadas de madeira, jamais poderia imaginar o que meus olhos
vislumbrariam poucos metros depois. De pé, ao lado de meus parentes,
admirei a paisagem completamente inusitada que se mostrava a meus olhos.
Espalhados pelos campos, podiam-se ver os esqueletos, perfeitos e
imóveis, dos animais da fazenda, em pé, no local onde os mesmos
deveriam, supostamente, estar quando os fenômenos começaram. Caminhando
com cautela, pude verificar que nada vivo, além de nós quatro, foi
encontrado na fazenda. Admirei-me com o fato de, no galinheiro, onde
antes havia um galo premiado e quase uma dúzia de galinhas, agora
restava, apenas, esqueletos em pé, tal qual encontramos nos pastos.
Curioso, aproximei o dedo de um deles, sendo advertido por meu tio,
tardiamente. Os ossos, instantaneamente, transformaram-se em pó, ao meu
toque, tal qual os lendários vampiros quando expostos a luz do sol.
Outra coisa que notei, fora a ausência de vidros. Todos haviam
desaparecidos por completo, sem deixar qualquer indício de sua
existência.
Questionando
meu tio, que certamente sabia de mais coisa sobre o que acontecera do
que havia dito, fui surpreendido com o silêncio e uma recusa velada em
falar sobre o assunto. Foi neste instante que me recordei das histórias
que ouvira, esparsamente, durante minha estadia na cidade. (pausa)
Calma, meu amigo! Deixe-me tomar um pouco de água para umidificar a garganta seca, antes de continuar… (pausa)
Bem! Onde parei mesmo?… Ah, sim!
As
pessoas acreditavam que, durante essas estranhas tempestades, criaturas
sobrenaturais desciam dos céus para a terra, espalhando a morte e a
destruição. Nos relatos que ouvi, entre uma bebedeira e outra, tal
crença pareceu-me enraizada na comunidade, pois, mesmo dominados pelo
poder do álcool, seus narradores expunham histórias muito semelhantes
umas com as outras.
Nos
dias que se seguiram, impus árdua pesquisa, encontrando, com relativa
facilidade, através de recortes de jornais e manuscritos antigos,
relatos de outros casos estranhos ocorridos na região, em sua maioria,
nas proximidades da misteriosa floresta, continuamente, localizava-se a
fazenda de meu tio, o qual manteve silêncio até sua morte, alguns anos
após o fato que estou lhe relatando.
Apesar
de, à época, ser uma pessoa cética e extremamente racional, não
conseguia, através de minhas limitadas investigações, encontrar
explicações plausíveis para os fatos que presenciei, muito pelo
contrário. Quanto mais investigava, mais interrogações foram se
acumulando.
O
mais intrigante, além dos esqueletos dos animais mortos, era a
existência de estranhas marcas disformes, no chão lamacento, as quais
supus serem pegadas, bem como curiosos círculos nos campos, onde, em
torno dos quais a grama desaparecera. Isto sem contar o fato das
laranjas, somente as laranjas, ainda nos pés, estarem totalmente
ressecadas, com aparência semelhante à maracujás maduros.
Dos
relatos que encontrei, o mais antigo datava de 1830, donde conclui que
tais fenômenos não eram recentes e obedeciam a uma certa periodicidade.
Nas conversas que tive, posteriormente, com amigos, que cultivei em
minha estadia, e meus primos, estes bem mais acessíveis em relação ao
assunto que meu tio, tentei, de forma inútil, buscar explicações
racionais para o ocorrido.
Por
mais que encontrasse uma explicação aceitável para alguns dos
fenômenos, sempre acabava perdendo a discussão quando eram mencionados
os esqueletos. Por mais que tentasse, não conseguia explicar, de forma
convincente, o que acontecera.
Quando
o dia final de minha estadia em Germinade chegou ainda possuía muitas
perguntas sem respostas, respostas essas que perseguiria por quase toda a
minha vida e que, por fim, acabaria por me conduzir até este abrigo em
que agora me encontro, o qual muitos dão o nome de Manicômio.
Não
me espanta, meu amigo, seu relato de que, novamente, tais
acontecimentos estranhos estão se desenrolando naquela região. Quem
sabe, agora, com os recursos e conhecimentos que tem à sua disposição,
possa encontrar as respostas que me faltaram. Espero que De…
Julio
Ramirez apertou um dos botões, fazendo a reprodução da gravação cessar.
Já era a sétima vez em que ouvira aquele relato, procurando alguma
informação que pudesse ser útil. Seu parceiro, Roberto De Falcon,
observava, através de uma das janelas do pavimento superior, do prédio
da delegacia de Germinade, o estranho fenômeno se desenvolvendo no
horizonte. Aquela situação já perdurava quase três dias inteiros, sem
que os especialistas conseguissem descobrir o que estava acontecendo.
Nuvens carregadas, e de comportamento anormal, pairavam por sobre toda a
região leste da cidade, local onde se localizava a floresta e a fazenda
citada na gravação que tinham acabado de ouvir.
Apreensivo,
Ramirez levantou-se e se aproximou do parceiro, passando, também, a
observar o apavorante comportamento da mãe natureza. Um calafrio
percorreu-lhe a espinha quando, em meio ao céu enegrecido, ouviu-se o
estrondo de poderosos trovões, fazendo-o lembrar-se das experiências
desagradáveis que a dupla tivera com o chamado Sobrenatural, mas que, de
forma nenhuma, aproximava-se da grandiosidade daquilo que se movia no
céu de Germinade.
De
Falcon suspirou, inconscientemente, e Ramirez, sentindo os pelos da
nuca se eriçarem, pressentiu algo ruim e extremamente maléfico, sobre o
ambiente, enquanto relâmpagos avermelhados cortavam o ar. De fato,
aquilo lhe dava a certeza de que Jeremias Carneiro estava de posse de
seu juízo perfeito. Cruzando as ruas desertas da cidade, os dois puderam
vislumbrar o comboio militar que se dirigia ao encontro do
inexplicável. Gotas de chuva começaram a cair sobre a cidade,
chocando-se contra o parapeito da janela da delegacia. Ramirez,
imediatamente, percebeu que algo estava errado. As gotas de água estavam
diferentes, possuíam uma cor inusitada. Eram vermelhas, vermelhas como
os fortes e luminosos Relâmpagos de Sangue. Sem sombra de dúvidas, o Fim
do Mundo estava chegando e a porta de entrada chamava-se Germinade.
Solicito que remova o presente conta de seu Blog pois a publicação não foi autorizada por mim e este blog sequer teve a gentileza de informar sua autoria ou dar o credito devido. Tal solicitação também foi encaminhada para o e-mail informado nesse blog. No aguardo de sua providencia imediata,
ResponderEliminarAtenciosamente,
J. Modesto
o Autor.