quinta-feira, 8 de março de 2012

rubis de sangue -segunda parte-a mao

- Oi mamãe! O que a gente vai comer no jantar ? Vai ter carne hoje, né?
- Ah meu filho, você vai ter que esperar pra saber.
- Por que, mamãe ? Fala, por favor.
- Não vou contar agora, para que você possa aprender a ter os olhos menores que a barriga, oras. Seus irmãos aprenderam sem dificuldade, mas, você não! Você sempre tem que fazer isso e você sabe que gula é pecado!
- Aaaa … me desculpa pelo almoço, mamãe. Juro pela minha vida que não vou fazer aquilo de novo! Eu estava com tanta fome, mamãe! Desculpa ?
( Porque esse sorriso, criança ? )
- Meu querido filho, quem pedirá desculpas hoje, será eu! – Levantou a mulher segurando algo em sua mão direita, escondendo em suas costas para que o filho não pudesse ver.
- Eu juro mesmo mamãe! POR FAVOR! EU NÃO FAÇO DE NOVO! PROMETO QUE NÃO IREI MAIS PECAR, EU JURO, JURO, JURO! JURO! – A sombra do que estava na mão da mãe encheu todo o ambiente.
- Eu sei meu filho, e não fará mesmo. Só tenho que me certificar.
( Porque essa cara de medo, criança ? )
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Leonardo acordou assustado. Deixou o copo de vidro que estava em sua mão estilhaçar-se no chão, ouvindo o patinar do gelo pelo chão. Quando conseguiu abrir seus olhos por completo só conseguiu ver as garrafas vazias em cima de sua mesa e o seu parceiro roncando como um porco. O cheiro de sua embriaguez aumentava a cada segundo com a volta da percepção do seu olfato. A televisão com o som desligado no canal Globo News passava agora em seu rodapé:
“Mulher encontrada morta sem um membro e com os olhos arrancados em Bragança Paulista”
Seus olhos ficaram vidrados enquanto acionava o som da televisão para ouvir o que a mulher falava.
“Os investigadores continuam trabalhando mas até agora sem sucesso. Não foi encontrada nenhuma suspeita para o caso onde os dois olhos da vítima foram retirados e trocados por pedras preciosas”
E sim, mostraram as malditas fotos e filmagens do corpo encontrado no chão, sem vida e com os seios a mostra, como se a intenção fosse realmente hipnotizar qualquer pessoa que estivesse vendo a notícia, afinal era o comércio da televisão.
- Eles adoram um sensacionalismo, não ? – Disse Josué massageando as têmporas e protegendo o rosto da luz da manhã.
- Preciso de um cigarro. E mais gelo pro uísque!
- Faz três dias que a gente trabalha sem sossego e a merda da TV não fala isso, né ? – Josué abrindo uma garrafa de cerveja que estava do lado da mesa, talvez a única que sobrou daquele montante.
- Não conseguimos tirar nada do gari da prefeitura e além disso, a irmã da morta não para de ligar. – Leonardo acendeu um cigarro . – Não estou com saco para ouvir gente chorando pela morte de um ente querido ou qualquer merda parecida. E a perícia ? Trouxe para nós algo interessante ?
- Nada … absolutamente nada. Sem digitais, sem fibras … foi a porra de um fantasma que matou a garota. Os olhos e a mão da garota foram retirados enquanto ela estava vida. E no dia anterior em que encontraram o seu corpo ainda. Só isso conseguiram concluir.
- Só me faltava essa. Depois de todo esse enrosco você vindo me falar sobre sobrenaturalidade e fantasmas. – uma longa tragada foi feita no cigarro – Como uma pessoa pode ter a mão retirada e ainda continuar viva pra sentir os olhos sendo retirados um a um?
Josué ria, como um porco sem ouvir a última parte do comentário. Ele ria igual a porra de um suíno. Porque diabos alguém iria tirar a mão da pessoa ? O sangue fora intenso demais para comer carne em qualquer um daqueles dias que se passaram.
- Não sei … sei que temos que falar com a irmã da vítima. Com certeza ela vai saber se alguém estava atrás dela. Opa, quase esqueci … foi encontrado a escama de um réptil que não conseguiram identificar qual a espécie.
- Essa merda não parece ser coisa de um ser humano, mas sim de um monstro. Chame a irmã e os amigos mais íntimos da menina para fazermos algumas perguntas, mas só depois que a minha ressaca passar, pelo amor de … – a continuação correta seria Deus, mas não quis falar essa palavra com todo o sangue daquela mulher morta vívido em sua mente e Josué agora não era mais um porco, agora ria como um javali, selvagem como o tal. Aquilo o irritava.
O resto da manhã foi penosa, como se cada hora fizesse o favor de passar mais devagar. Cada habitante da cidade ou repórter que ligava para falar com Leonardo e perguntar sobre o caso, era similar a uma pedra que era tacada no seu rosto … era o que sentia pelo menos.
O tempo nublado piorava tudo, fazia tudo ficar mais pesado. E para completar a mulher no outro lado da rua da delegacia gritava alucinadamente, junto de duas outras senhoras que a acompanhava no fervor do momento:
- Deus está mostrando a sua ira, meu povo! Não sejam cegos!
( Se Deus está zangado, porque ri, maldita? )
- Ele está mostrando a sua vontade, sua raiva indômita e castiga os fornicadores desvairados de nossa cidade! Isso foi um aviso, aceitem meus irmãos! – Leonardo acendeu um novo cigarro sem se importar que as pessoas lá de baixo o vissem e foi até a janela para ver e seu companheiro foi logo atrás.
- Minha senhora, já pedi ontem! Saia da porra da frente da delegacia e vá pregar na puta que o pariu! – Esbravejou Josué, babando nos que passavam embaixo da janela.
- Você verá meu irmão, você não pode se recusar a acreditar nisso igual aquela mulher de vida promíscua que foi morta no lago!
- Se a senhora desrespeitar mais uma vez o meu pedido, você vai aprender aprender muito bem o que é promiscuidade na merda de uma cela. Ah vai! Pode ser até que goste de alguém lhe fazendo companhia!
Josué era uma pessoa realmente nojenta, o único que conseguiu ser parceiro dele foi Leonardo. Ele se arrependia todos os dias de sua boca suja e do seu jeito grosseiro, mas o maldito trabalhava bem, isso era o que mais irritava Leonardo. Josué não se sentia mau igual a Leonardo em relação aos seus vícios. Bebia, bebia que nem um um bezerro desmamado e não sentia remorso e vergonha de nada. Talvez a vergonha sobrasse toda para a coitada de sua esposa, que teve a infelicidade de casar-se com um porco gordo. Estava ainda mais irritado.
- Leonardo, se você não quer que vejam você fumando e de ressaca, espero que lave o rosto e apague essa merda que está em seus dedos – disse Josué, bebendo uma outra garrafa de cerveja em um só gole – A irmã da vítima está lá em baixo aos berros com todo mundo e quer conversar com a gente a qualquer custo. Ela disse que pode nos ajudar e eu estou muito bêbado logo de manhã para tomar conta das perguntas.
Leonardo deu um último trago no cigarro e o apagou colocando-o dentro de uma das garrafas de uísque vazia. A mulher que gritava a poucos momentos atrás na rua agora estava quieta, mas olhando os dois como se fossem demônios a serviço de Satan, saiu pela rua murmurando algo fanático com as outras que à acompanhavam. Alguns gritos vinham lá de baixo, de dentro da delegacia e não parecia que era aquela louca que estava pregando. Ignorando a parte recomendada pelo seu parceiro de lavar o rosto, desceu para ver o que estava fazendo todo aquele barulho dentro da delegacia.
- Eu não vou sair daqui até conseguir falar com algum dos dois investigadores do caso da minha irmã! E não vou sair mesmo! – Disse a mulher
- Mas senho…
- Senhor nada! Eu não vou sair, já falei! – O ar de teimosia imperava naquela mulher.
Era a irmã da vítima , com certeza era ela. Não era loira, era morena, mas com algumas mechas louras em seus cabelos apenas. Branca, não muito alta e magra. Não magra daquele jeito raquítico ou asqueroso, mas sim de uma forma bonita. Os seios e quadril em proporções perfeitas ao seu tamanho de um jeito que deixaria qualquer homem excitado. Seu rosto era bonito e bem maquiado .. mas naquele momento o vermelho vivo presente nele não devia ser de maquiagem, mas sim raiva!
- Oi, desculpe-me mas que confusão é essa ?
- Me desculpe, mas eu sou Alícia, irmã da vítima … eu preciso muito falar com vocês! Contar o que ela estava passando! Eu vou ajudar, prometo, mas preciso falar com vocês em particular!
- Tudo bem, me acompanhe e falaremos sobre o caso. – Era difícil manter o rosto respeitável depois de três noites de investigações e bebedeiras alucinadas com seu parceiro.
Os dois subiram as escadas e com um sinal singelo para Josué para se juntar com ele e ver o que a irmã poderia ajudar a fornecer para o caso. O lugar onde era feito o interrogatório, naquele momento estava mais escuro do que nunca … uma lâmpada queimada deixava o local em um breu total, como se a própria energia do local sentisse o que Alícia iria soltar de sua boca.
- Bom, sente-se … você falou que pode nos ajudar? Como você poderá fazer isso ?
- Não sei explicar e muito provavelmente vai parecer um pouco de loucura, mas todos temos um pouco de loucura.
- Sim, com certeza todos temos ! – falou Josué quase que babando enquanto via a mulher sentando.
( Coitada de sua mulher Josué, realmente ela casara com a merda de um porco ).
- Bom, sei que todos conhecem Beatriz, a minha irmã, pela vida que ela tinha antes. Enchia a cara demais, saia noites e noites sem responder a nenhuma chamada no celular só espalhando um pouco de libertinagem pelos cantos da cidade e de outras cidades também – Os investigadores se entreolharam – Mas tudo começou mesmo quando ela conheceu um cara, que depois foi ser o seu namorado. O nome dele era Fabrício.
- Onde está esse namorado que não foi nem no enterro da sua amante ?
- Ele realmente não foi ao enterro … pois ele está morto, senhor .
- Entendo. E quando foi que isso aconteceu ?
- Já vou explicar tudo certinho, se não eu me enrolo e esqueço algo. Os dois se conheceram em Atibaia, numa festa que durou alguns dias por lá. Minha mãe e meu pai tiveram a sorte de estarem os dois mortos para não ver as merdas que a minha irmã vinha fazendo por ai. Mas o problema, é que o tal Fabrício, ele … não sei explicar ao certo, tinha um ar sombrio, pesado. Ele via a morte como algo libertador. Louco para ser mais exata. E um viado que manipulou a mente da minha irmã até ela achar a ideia de morte interessante ao mesmo ponto.
- Você sabe o sobrenome dele ? Isso pode ajudar a vermos mais algumas pistas …
- Não … ela nunca me falou, nunca houve tempo de me falar na verdade. Brigávamos muito, sabe como é … coisa de irmãs.
- Entendo. Continue, por favor.
- Então, ele era cheio dessas coisas de sobrenatural e ocultismo. Escrotices como eu já falei. Eu sei que ele e os amigos deles faziam alguns rituais … energizar vinho, visitas a cemitérios e coisas parecidas. Mas ano passado antes de ele morrer, os dois fizeram alguma coisa .. não sei dizer o que foi, mas foi muito pesado para a mente de qualquer um deles.
- Como assim ?
- Os dois viajaram por umas semanas … Beatriz me disse algo sobre um livro de um indiano maluco quando ela voltou. Ela estava eufórica, animadíssima … tinha algo no livro, alguma coisa que parecia muito bom, mas … ela estava transtornada. Eu conhecia ela e sempre que ela fazia algo errado e tinha que falar pra minha mãe, ela fazia a cara que ela fez depois de falar do livro.
- Que livro era esse ? Você possui ou tem ideia de onde ele pode estar ?
- Está aqui na minha bolsa, comigo. Não tive coragem de abrir o seu fecho. – Ela colocou o livro na mesa. Capa dura, antigo, deveria ter alguns séculos pelo o que mostrava a capa desgastada. – Eu … não tive coragem depois do que ela falou …
- Diga-nos o que foi o que ela falou. – O ar pesava, a lâmpada piscava em certos momentos em que Alícia falava … tudo estava muito pesado e todos sentiam, mas a mulher precisava colocar tudo pra fora.
- Ela … ela falou algo sobre monstros enormes com aparência reptiliana …
- Como assim ? Monstros ?
- É … ela falava o que havia no livro, alguns dos ensinamentos … mas eu nunca queria saber. Era muito pesado pro meu estomago. Algo sobre ferro e fogo e esses monstros … a demência dela foi aumentando até ela e o namorado desaparecerem por completo por alguns meses. Só vi ela depois no enterro do Fabrício … Ela não largava a porra do livro – As lágrimas começaram a aparecer no rosto de Alícia – Ela estava horrorosa, ela sempre foi tão bem arrumada, sempre tive raiva por ela parecer estar sempre tão bonita e eu me achar tão estranha. – Finalmente o choro da mulher começou como esperavam … mas o ar pesava mais ainda com as gotas que caiam de seus olhos.
- Calma, vou pedir pro Josué pegar um copo de água …
- Não … não precisa, vou continuar o resto, falta pouco. Ela dormiu algum tempo em casa e me contou sobre algumas coisas que eles faziam, como rituais que encontravam no livro … a morte de Fabrício queimado totalmente, chocou ela, não pudermos nem ver o corpo no caixão porque na verdade o que restava era apenas carvão de uma pessoa ali e a descrição que ela dava sobre esses monstros era tão real que parecia que ela realmente havia visto todos eles. No último dia que eu vi ela, ela falou algo sobre pedras preciosas e porta para outros mundos, nada com muito sentido, eu sei … mas era tão real, tão forte que … No final, ela encontrou dois rubis antigos, não sei da onde vieram … mas eu sei que ela precisava e procurou demais por eles. Ela falou sobre fechar a porta e depois de alguns meses.. ELA MORREU! – Alícia não conseguiria contar mais nada e estava exausta … ela parou e deu por entender que não havia mais nada à ser contado.
- Muito obrigado pelo o que você nos contou hoje Alícia, sei que vai ser muito importante para podermos continuar o caso. Deixe o seu telefone que nós avisaremos qualquer progresso … só vou pedir pra deixar o livro conosco para servir como pista. – A mulher sentiu um alívio, mas o pesar de dar aquilo para alguém, era como o de uma maldição que estava sendo passada para outra pessoa.
- Sim .. só peço que tenha cuidado com o livro , não gosto dele nem um pouco …
- Entendo, pode deixar conosco, pode ter certeza que estamos fazendo de tudo pra solucionar o caso e ver o que aconteceu para que isso deixe de atormentar você. – O rosto de Alícia se energizou de alegria novamente. Ela levantou e deu um abraço apertado em Leonardo e demorou para que pudesse largar, e olhou firmemente para os seus olhos.
- Obrigada! – Ela disse e pegou as chaves do seu carro ao lado do livro e saiu da delegacia, dando um beijo doce no rosto de Leonardo.
Depois que ela saiu, Leonardo ficou olhando intrigado para o livro … sentia que as palavras e frases contidas no livro eram maldições. Até que um lapso forte em sua mente:
- A PORRA DAS ESCAMAS! – Não, calma é só coincidência.
Leonardo não acreditava em coincidências … ele sabia que em algum momento o cérebro, no seu subconsciente mais profundo, falava para ele que ele tinha que fazer isso naquela hora … e seu subconsciente gritava para que não abrisse aquele livro, nunca!
Josué olhou atentamente para o livro e depois para Leonardo, como se estivessem os dois decidindo qual dos dois iriam abri-lo primeiro e ter a coragem de ler a primeira palavra dele. O suor caia frio da testa de Leonardo quando sua mão tocou a capa do livro. Essas horas ele odiava ser o chefe das investigações e ter que tomar frente nas tarefas mais difíceis. A capa desgastada fazia barulho enquanto ele tocava.
- Não, não é possível! É só nervosismo Leonardo, não existem monstros com cara de lagartos gigantes e nem nada, abre a porra do livro e leia logo! – pensou Leonardo sozinho em sua mente conturbada.
O livro parecia gritar de agonia e desejo quando o dedo indicador tocou a orelha da capa. O frio em sua espinha aumentava e segurar o gosto de bílis em sua garganta foi extremamente difícil. O cheiro forte de carne podre e morte exalava do livro enquanto ele o tocava não ajudava em nada na tarefa.
Outro policial entrou correndo pela porta, aliviando um pouco o ar e fazendo com que Leonardo tirasse a mão do livro … a lâmpada parou de piscar.
- Foi encontrada outra pessoa morta aqui em Bragança … com as mesmas descrições da mulher do lago!
- PUTA MERDA! – disse Josué. – Que, que é agora? A gente tem a porra de um serial killer rico que deixa rubis com as vítimas ?
- Não sei senhor, mas vocês tem que ir pra lá agora!
Leonardo não tirou os olhos do livro e depois que retirou a mão de sua capa, a lâmpada parou de piscar freneticamente. Salvo pelo gongo, pensou.

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