Chovia a cântaros na noite em que joguei minha esposa nas águas frias e
escuras do poço de minha mansão. O vento sinistro da tormenta açoitava
como um gélido flagelo minhas roupas encharcadas enquanto eu a ouvia
agonizar afogando-se em algum ponto em que as trevas já impossibilitavam
a visão.
Depois entrei aliviado em minha residência e tudo parecia ter adquirido
uma coloração diferente do cinzento ao qual eu estava já tão habituado.
Olhei para todos os lados e aquele novo colorido me fez lembrar os
tempos de infância e de liberdade. As lágrimas escorreram por meu rosto
onde um inelutável sorriso se estampara sem que nem ao menos pudesse
percebê-lo antes de deparar-me, inesperadamente surpreso, com o imenso
espelho na parede esquerda da sala. Ali, pela primeira vez em vinte
anos, vi a minha própria imagem refletida sem que sobre ela restasse a
sombra medonha da criatura odiosa com quem eu havia contraído um
matrimônio peçonhento e trágico. Felizmente a esta tragédia eu havia
dado um ponto final esta noite! Mais tarde, já alta madrugada, subi ao
quarto principal; deitei-me na imensa cama de casal e não pude conter as
gargalhadas por senti-la tão espaçosa, tão definitivamente minha!!! Era
exatamente isso que eu ansiara por tanto tempo: espaço, privacidade,
silêncio. Oh, o silêncio era tão precioso para mim! E aquela bruxa
horrenda nunca o respeitara. Agora respeita! Coberta que está, por
litros e litros de água fria e escura, no fundo do poço onde a joguei,
pois, com exceção do leve ruído dos galhos das árvores roçando as
paredes do lado de fora da casa, movidos pela força do vento, tudo mais é
quietude.
Quando despertei mais tarde nem mesmo percebera que adormecera e, ao
olhar em meu relógio de pulso, descobri que passava um pouco das três da
manhã. De início fiquei aturdido tentando imaginar o que me arrancara
de um sono reconfortante como há muito não tinha. Depois percebi que o
vento lá fora ainda estava furioso, pois os fortes galhos das árvores ao
redor da casa continuavam a arranhar e forçar portas e paredes.
Decidi levantar-me e ir até a janela desfrutar um pouco da paisagem de
minha propriedade sob aquela chuva torrencial, pois paisagens noturnas,
sob tormenta ou nevoeiro, sempre me agradaram com seus aspectos
lúgubres. Ao abrir as cortinas sobre a vidraça que era a janela de meu
quarto, no entanto, tive uma enorme e perturbadora surpresa, pois,
apesar de ainda estar ouvindo o uivo do vento e o arranhar dos galhos
nas paredes, toda a chuva já passara e o céu estava límpido e carregado
de estrelas.
No entanto, os barulhos continuavam e de repente assumiram um novo
aspecto. Agora que a convicção da precipitação como causadora não mais
existia, minha mente abrira um novo leque de possibilidades e o gemido
que ouvia não era mais do vento e tampouco os arranhões nas paredes
estavam do lado de FORA da casa. Pelo contrário: pareciam vir subindo
rapidamente as escadas para o segundo andar onde eu estava.
Fiquei parado, paralisado, na sacada de meu quarto e senti minhas
pernas dobrarem quando, do corredor, em um ponto bem em frente à porta,
veio um uivo pavoroso que era um misto de dor, medo e ódio; um lamento
que era animal, mas, antes de tudo, continha uma humanidade desesperada.
Caí de joelhos pedindo à providência que me poupasse daquele horror,
fosse ele o que fosse, e baixei a cabeça com os olhos fechados em alguma
espécie de oração mal articulada.
Neste momento ouvi a porta do quarto ceder sob uma incrível pressão e
em seguida uma maligna rajada de vento quente invadiu o ambiente. No
final eu não podia me mover; os grilhões do medo me haviam aprisionado
para além das possibilidades humanas, pois não era humano aquilo que
entrou em minha casa aquela noite. Em meio ao calor que me atingia ainda
tive duas sensações antes de desmaiar: a de um tênue cheiro de um
perfume, que me era bastante conhecido dos tempos de casado, e a de que
jogavam em mim, de um ponto mergulhado na escuridão a minha frente,
gotas de alguma água fria e pegajosa. No entanto o que me tirou os
sentidos não foi, de maneira alguma, uma impressão e sim uma percepção
bem concreta, pois senti quando alguma fera diabólica, com um hálito
frio e fétido, se abaixou sobre mim e me sussurrou no ouvido:
"Maldito, tu nunca mais dormirás de novo!".
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