Ainda
espero notícias de Luana. Já faz uma semana que marquei de encontrá-la
em frente ao parque florestal, mas até agora nada. Desde aquele dia não
estou muito bem, e não é só a preocupação com a sua ausência. Meu estado
de saúde não é bom. Sinto a temperatura do meu corpo oscilar do frio
intenso ao calor extremo. Tenho sono, muito sono. Há dias que durmo
quase dezesseis horas diárias.
Relembro a noite em que ia me encontrar com minha noiva, a bela Luana.
Eu havia chegado de viagem à casa de meus pais na fazenda. Uma semana de
viagem, e a saudade de Luana já era enorme, mas até agora não sei o que
ocorreu. Marcamos de nos encontrar, mas ela nunca apareceu.
A viagem à casa de meus pais foi ótima. Com exceção do incidente com o
lobo. É, o lobo. Meu pai e eu escutamos um barulho no celeiro e corremos
pra lá de espingarda na mão. Ouvimos o rosnado gutural do bicho e
fizemos sinais um ao outro, de modo a tentar cercar o animal perigoso.
Mas deu tudo errado. Cheguei muito antes de meu pai à porta de madeira.
Quando o lobo me ouviu, saltou sobre a porta e me derrubou. Pulou pra
cima de mim e mordeu meu braço com uma força descomunal. Senti seus
dentes rasgando minha carne como se estivesse em câmera lenta. Tive a
impressão que ele me olhava nos olhos, enquanto sentia o gosto do meu
sangue naquela boca enorme. Por sorte, meu pai chegou e acertou um tiro
no lombo do bicho, que fugiu pra dentro da mata. A ferida ainda não
cicatrizou, e quando chega de noite ela começa a latejar
violentamente.
Ainda
assim, quando voltei pra cidade, meu único pensamento era encontrar
Luana. No mesmo dia que cheguei, liguei pra ela e marcamos de nos
encontrar às oito da noite, entretanto, este momento nunca chegou. Foi
tudo tão estranho naquela noite. Lembro-me que cheguei quinze minutos
antes da hora marcada. Sentei no banco à entrada do parque. Naquela hora
quase ninguém passava mais por lá, e isso era tudo o que eu queria.
Apenas eu, Luana e a lua. Por falar em lua, naquela noite ela estava
fabulosa. Era a primeira noite de lua cheia no mês, e ela parecia muito
maior e mais brilhante que o normal. Não conseguia parar de olhar pra
ela naquela noite à espera de Luana. Havia um fascínio na sua forma, na
sua luz noturna, na sua essência. Recordo que meu estômago começou a
arder, de um jeito que nunca senti. Minha boca ficou seca e meus olhos
queriam saltar das órbitas. Senti uma espécie de coceira na pele, mas
depois acho que adormeci. Não me lembro de nada depois disso. O pior de
tudo foi quando acordei. Pela manhã, despertei morrendo de frio. Quando
dei por mim, estava deitado no meio do parque, nu em pêlo. Meu estômago
continuava com aquela ardência, mas parecia estar cheio agora, como se
eu houvesse devorado um boi inteiro. Sentia um gosto de carne crua na
boca. Meus braços estavam doloridos e uma mancha de sangue coagulado
descia do meu queixo formando um desenho grotesco no meu peito. Senti-me
enojado com aquilo, mas não tinha explicação sobre o que havia me
acometido. Percebi ainda, que duas unhas da minha mão esquerda estavam
quebradas, e debaixo das outras havia cabelo. Fios de cabelo preto.
Lisos e finos. Aliás, muito parecidos com os cabelos de Luana.
Ainda meio zonzo, consegui chegar à cabina do guarda do parque e disse
que fora roubado e espancado, pois ele não acreditaria se eu lhe
contasse a verdade. Desta forma ele me emprestou uma camisa e uma calça
velha que lhe servia de uniforme reserva. Saí de lá correndo, descalço
mesmo. Parei ainda no meio fio pra vomitar, pois aquela acidez no meu
estomago não passava, e aquele gosto de sangue na boca me deixara
enjoado. Curiosamente, parecia sentir o perfume de Luana na minha pele,
mas acho que estava delirando. Com muito custo, consegui chegar em casa.
Corri ao encontro do telefone e liguei pra Luana. Sua mãe atendeu
chorando e me disse que ela havia saído pra me encontrar e até aquela
hora não havia voltado. Sem saber o que dizer, tentei acalmá-la e pedi
que ligasse pra polícia. Depois tomei um banho quente e demorado. Em
seguida dormi. Dormi muito. Só acordei com a polícia batendo à minha
porta.
Agora estou aqui sentado nessa cela apertada de delegacia, acusado de
assassinato. Justo eu que detesto violência. Jamais faria nada contra
minha amada Luana.
O corpo de Luana não foi achado até agora. Apenas encontraram alguns
pedaços de sua roupa rasgados. Não acredito que ela tenha morrido. Não
mesmo.
O delegado riu da minha cara quando contei a verdade, ou pelo menos
daquilo que me lembrava. Estranho, mas toda noite a mordida do lobo
começa a queimar no meu braço. Repassei a história toda na minha cabeça,
e achei tudo muito estranho, pois não houve mais lua cheia depois
daquela noite. Pensando bem, será que...
Que idiotice a minha, logo eu que não acredito em lobisomem. Só penso na Luana. Na Lua...
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