quinta-feira, 8 de março de 2012

crituras das sombras

Na minha infância eu acreditava em monstros. Achava que mãos iam brotar de baixo da cama. As sombras se mexiam. Eu ouvia passos nos corredores. O cair da noite me aterrorizava. Meus pais, tolos, diziam que não havia nada. Eram besteiras da minha imaginação. Monstros não existem, eles diziam e esse era meu mantra inútil, pra aplacar o pânico.
Não sei se todas as crianças tiveram uma infância assim, assustadora. Quando crescemos os barulhos somem, as sombras viram apenas sombras e ninguém espreita na escuridão. É isso o que acontece com todos, ou deveria ser. Eu quero muito saber porque não foi assim comigo.
Meus pais, tão zelosos e compreensíveis me colocaram nesse lugar. Uma casa de repouso, ou manicômio, se preferir. Dizem que tenho esquizofrenia, que sou perigoso e vejo coisas que não existem.
Eles são os loucos. E uns malditos sortudos. Aqui as sombras são mais densas, e os gemidos dos mortos se misturam com o dos vivos. Os daqui médicos são ainda mais tenebrosos. Espetam e cortam a vontade. Abusam de algumas loucas e pensam que ninguém está vendo.
Um deles, o mais magro era o pior. Matou algumas pessoas aqui como se fossem animais no abate. Abusou de tantas mulheres que perdi a conta. Me cortou muito.
Eu disse que ele “era” o pior porque agora ele está morto. Ele errou em achar que eu estava dopado e em deixar um bisturi perto do meu alcance. A mesma faca que me fez sangrar incontáveis vezes abriu um buraco no pescoço dele e assim dei fim pra existência miserável desse verme. Seu sangue ofereci pras criaturas da sombra que observaram tudo sem interferir. Depois disso incendiei o manicômio. Do pó ao pó. Pena eu não ter conseguido fugir.
O curioso disso tudo é que eu posso tanto ser uma criança tendo um pesadelo longo e sombrio, quanto posso ser um louco metido em uma camisa de força em algum manicômio, ou posso ter mesmo morrido e agora sou um deles, vivendo nas sombras.
Ao menos posso observar meus pais dormindo tranquilos. Pena meu irmão menor estar entre eles, acordado, olhando nos meus olhos e chorando.

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