Na minha infância eu acreditava em monstros. Achava
que mãos iam brotar de baixo da cama. As sombras se mexiam. Eu ouvia
passos nos corredores. O cair da noite me aterrorizava. Meus pais,
tolos, diziam que não havia nada. Eram besteiras da minha imaginação.
Monstros não existem, eles diziam e esse era meu mantra inútil, pra
aplacar o pânico.
Não sei se todas as crianças tiveram uma infância assim, assustadora.
Quando crescemos os barulhos somem, as sombras viram apenas sombras e
ninguém espreita na escuridão. É isso o que acontece com todos, ou
deveria ser. Eu quero muito saber porque não foi assim comigo.
Meus pais, tão zelosos e compreensíveis me colocaram nesse lugar. Uma
casa de repouso, ou manicômio, se preferir. Dizem que tenho
esquizofrenia, que sou perigoso e vejo coisas que não existem.
Eles são os loucos. E uns malditos sortudos. Aqui as sombras são mais
densas, e os gemidos dos mortos se misturam com o dos vivos. Os daqui
médicos são ainda mais tenebrosos. Espetam e cortam a vontade. Abusam de
algumas loucas e pensam que ninguém está vendo.
Um deles, o mais magro era o pior. Matou algumas pessoas aqui como se
fossem animais no abate. Abusou de tantas mulheres que perdi a conta. Me
cortou muito.
Eu disse que ele “era” o pior porque agora ele está morto. Ele errou em
achar que eu estava dopado e em deixar um bisturi perto do meu alcance. A
mesma faca que me fez sangrar incontáveis vezes abriu um buraco no
pescoço dele e assim dei fim pra existência miserável desse verme. Seu
sangue ofereci pras criaturas da sombra que observaram tudo sem
interferir. Depois disso incendiei o manicômio. Do pó ao pó. Pena eu não
ter conseguido fugir.
O curioso disso tudo é que eu posso tanto ser uma criança tendo um
pesadelo longo e sombrio, quanto posso ser um louco metido em uma camisa
de força em algum manicômio, ou posso ter mesmo morrido e agora sou um
deles, vivendo nas sombras.
Ao menos posso observar meus pais dormindo tranquilos. Pena meu irmão
menor estar entre eles, acordado, olhando nos meus olhos e chorando.
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